A Sala

A sala era ampla, bonita, bem ventilada e com decoração moderna. O prédio era antigo, datava da década de 70, porém havia recentemente passado por uma reforma planejada por renomados arquitetos, ela ficava no andar térreo da edificação e já teve várias utilizações. Agora abrigava o setor de compras de uma grande empresa de transportes. Diz-se que no passado muitas coisas estranhas aconteciam na sala, como luzes que teimavam em queimar, objetos que sumiam ou pessoas que surtavam e começavam a chorar desesperadas sem motivo algum aparente. Os fatos aqui narrados aconteceram em junho/julho recente e serão relatados de forma anônima, pois a pessoa que nos confiou as informações não quer identificação ou mídia, na verdade ela queria apenas desabafar para não enlouquecer. Cabe a você que está lendo acreditar ou não se o relato é verdadeiro. Eram três os trabalhadores do local, Edgar, Célia e Osvaldo, sendo que a única mulher sempre reclamava do frio do sul do Brasil, já que ela era originária do norte. A sala era retangular e tinha aproximadamente 6 metros de comprimento por 5 de largura, a mesa de Osvaldo ficava de frente para a porta, as outras duas mesas lado a lado, junto a janela que dava para um bonito jardim interno da empresa. O ar condicionado estava ligado para aquecer a sala, só que nesse dia parecia que nada fazia aumentar a temperatura, fazendo os ouvidos de Edgar e Osvaldo sangrarem com as constantes reclamações de Célia. Entre uma ligação e outra, Edgar costumava abrir a primeira gaveta de sua mesa e pegar uma de suas balas de menta, já Osvaldo tinha uma compulsão por organização e até as pontas de seus lápis tinham que estar milimetricamente ajustadas, Célia era um pouco mais desorganizada e tinha muitos papéis de pedidos e faturamentos em sua mesa. Perto das 17 horas, eles fizeram um chamado técnico para manutenção do aquecedor do ar condicionado, pois a previsão era de uma manhã gelada no dia seguinte, o seu José, o faz-tudo da empresa, foi até a sala, porém não conseguiu concluir o serviço até o fim do expediente, deixando suas ferramentas no local e as vísceras da caixa evaporadora do ar condicionado expostas. No dia seguinte ao chegarem para trabalhar, o primeiro sinal que alguma coisa estava errada foi que a carenagem do ar condicionado que estava ao lado da caixa de ferramentas encontrava-se estilhaçada próxima à porta. Depois, verificaram que a mesa do Osvaldo estava desorganizada, como se alguém estivesse procurando algo, as balinhas de menta do Edgar estavam espalhadas e a caixa de ferramentas parecia revirada. Célia acionou a segurança da empresa, pois certamente alguém havia entrado lá durante a noite. Para a surpresa dela, o alarme não acusou disparos e as câmeras de segurança, todas externas, não mostraram nenhuma anormalidade durante todo o período em que a empresa esteve fechada. Houve um grande rebuliço e muitos rumores, acusações foram trocadas entre departamentos, pois certamente alguém estava descontente com o trabalho do pessoal do compras e decidiu tentar resolver as diferenças com vandalismo, protegido pelo fato que não haviam câmeras internas. O frio parecia acentuado, mais ainda dentro da sala que do lado de fora, e seu João não conseguiu colocar o aquecedor em pleno funcionamento, ainda mais que agora precisariam de uma nova carenagem. O jeito foi partir para o improviso e Célia acabou comprando do próprio bolso um aquecedor portátil no supermercado que havia nas proximidades, porém as tomadas não suportavam a tensão e desarmavam o disjuntor. O gerente geral da unidade, Cícero, determinou a instalação de câmeras internas na empresa, de modo a evitar novos problemas com vandalismos, tal ação parece que logrou resultados, haja vista que a sala amanhecia exatamente da mesma forma que havia sido deixada no dia anterior, apenas o frio que insistia em fazer lá que não passava. Isso perdurou por dias, até que finalmente chegou um novo equipamento de ar condicionado e João foi lá para instalar. Ele já estava quase terminando a instalação, subiu na escada para os últimos acertos dentro da sala quando de repente ele escorregou do alto e estatelou-se no chão. Não havia explicação para a queda, uma fratura do braço do seu João inviabilizou mais uma vez o término do serviço. Parecia que a sala não queria ser aquecida. Quando Célia já não mais suportava o frio, três dias após o acidente com João, outra pessoa foi lá e conseguiu terminar a instalação. Já tinham se passado 16 dias desde os estranhos eventos iniciais e nesse tempo as lâmpadas precisaram ser trocadas um par de vezes, no entanto agora parecia que tudo tinha voltado ao normal, o aquecedor funcionava perfeitamente e o dia parecia até mais colorido.
O problema foi no dia seguinte, quando ao abrir a sala, Edgar, que chegara mais cedo por conta de serviços extras, viu o caos: um furacão não faria tamanho estrago. As cadeiras estavam todas caídas num canto da sala, as mesas completamente reviradas, com todas as gavetas abertas e seus conteúdos espalhados por todos os lados, os papéis sobre as mesas estavam completamente amassados ou ainda rasgados, o aparelho novo de ar condicionado estava no chão, quebrado e os computadores com as telas trincadas. O susto foi grande e na mesma hora Edgar chamou a segurança. O turno de toda a empresa foi interrompido e a sala lacrada para averiguação. Quando Célia e Osvaldo chegaram e viram toda a bagunça, foi inevitável a acusação aos desafetos de outros setores, porém agora haviam câmeras de segurança que ajudariam a esclarecer os fatos. Reuniram-se então na sala da gerência os três ocupantes da sala, o próprio Cícero e o chefe da segurança, que estava com o arquivo das imagens em mão. Ao abrir as imagens, o pânico tomou conta de todos: a sala não foi aberta, porém exatamente às 3:33 da manhã, uma gaveta começou a abrir sozinha e os papéis a voar, depois outra gaveta, em seguida o ar condicionado saltou da parede e foi ao chão, tudo sem nenhuma mão humana, os papeis eram levantados e começavam a ser amassados e rasgados no ar, sem aparentemente ninguém tocá-los. As cenas parecidas saídas de filmes de terror assustaram todos. Célia saiu chorando da sala e não foi mais vista naquele dia na empresa, o chefe de segurança, junto com Cícero, Osvaldo e Edgar então decidiram manter a sala fechada e o conteúdo das imagens em segredo. Não sabiam como agir e nem a quem recorrer, pensaram em padres ou pastores, porém lembraram de um rapaz que trabalhou durante a reforma do prédio e que havia comentado sobre energias negativas que sentia naquele lugar... O jovem arquiteto Jonas estava em sua sala no renomado escritório em que trabalhava quando o telefone tocou e era Cícero, gerente geral da empresa de logística o chamando para uma reunião urgente. Como eram bons clientes, ele imediatamente avisou seu chefe se deslocou até lá, só não esperava que o motivo do chamamento fosse a imagem de uma sala possivelmente assombrada. Jonas era muito religioso e até aquele dia nunca tinha visto nada sobrenatural, o comentário que havia feito sobre a energia do local era porque ele realmente sentia quando estava em lugares que emanavam suas agruras. Só que pra ele isso não passava de um sentimento sem qualquer relação com algo sobrenatural. O problema é que a curiosidade tomou conta dele e ele queria saber o que de verdade estava acontecendo, pediu pra ir até a sala e foi prontamente atendido. Ao adentrar no cômodo, novamente ele sentiu a energia que houvera relatado anteriormente, o frio era intenso, parecia que havia entrado em uma geladeira, a bagunça era descomunal, ninguém quis entrar com ele, Jonas tirava fotos de tudo e tentava entender o que acontecera ali. Não sabia por que o escolheram pra avaliar o caso, porém sentia um misto de orgulho, curiosidade e medo. Seu olhar meticuloso de arquiteto encontrou uma mancha na parede, uma mancha estranha, bem próxima do rodapé atrás da porta, ele abaixou-se para olhar mais de perto e a tocou. No mesmo instante ele apagou. Jonas então se viu em uma construção. Era uma obra grande, com vários funcionários, entre eles uma mulher, ele tentou se dirigir a uma pessoa que estava próxima a ele, mas era como se ele não estivesse ali, ele sentiu medo e tentou correr, porém percebeu que não conseguia sair de um retângulo aproximado de 5x6 metros delimitado por caixarias de vigas baldrame já concretadas, sua sagacidade e inteligência o fizeram perceber que ele ainda estava na sala, só que em sua construção, nos anos 70. Então ele começou a ouvir diversos xingamentos direcionados à única operária mulher. Se hoje é incomum uma mulher trabalhar na construção, imagine há mais de 40 anos. Ela parecia sofrer calada aos dizeres de “vai lavar louça” ou ainda “vem cá que eu te mostro onde você deve pegar” no meio das gargalhadas dos colegas de obra. Só que o que aconteceu em seguida foi extremamente assustador, um dos operários chegou perto da mulher e começou a dizer que se as mulheres começarem a trabalhar na construção, seu emprego estaria ameaçado, já que não sabia fazer outra coisa, disse que a odiava e com a pá que estava em sua mão desferiu um golpe certeiro na cabeça da mulher que caiu bem na frente de onde Jonas estava toda ensanguentada e já sem vida. O operário chamou seus amigos, que começaram a exclamar que ele estava louco, porém em alguns minutos ele convenceu todos que era melhor assim e decidiram enterrar ela ali mesmo na construção e dizer aos patrões que ela havia faltado ao trabalho naquele dia. Assim o fizeram, enterraram-na no meio da sala, cobrindo-a com brita e concretando o contra piso em seguida sobre o corpo daquela pobre mulher. Ao acordar, na sala, Jonas não sabia se realmente tinha desmaiado, se haviam se passado vários minutos ou apenas alguns segundos, não sabia nem se estava lúcido. Ele estava perplexo e transtornado, então tudo ficou escuro e ainda mais frio. A mulher que ele havia visto na obra apareceu em sua frente, vestia apenas um tipo de túnica branca e não havia cor em sua pele e nem vida em seus olhos, sues cabelos estavam sujos e embaraçados e as grandes olheiras roxas era proeminentes em seu rosto. Ele deu um grito assustado, mas não sabia se alguém poderia ouvi-lo. A imagem então começou a falar: _ “Jonas, me tire daqui, dê um destino digno aos meus restos mortais e um conforto à minha família que não tem notícias minhas há mais de quatro décadas. Peça desculpas à todos pela forma como me mostrei aqui, mas era a única maneira de você me encontrar e me libertar. Você tem um dom e será procurado mais vezes. Aguarde...” Logo após isso, as luzes voltaram ao normal e Jonas sabia o que fazer. Foi até Cícero e disse que tinha uma mulher enterrada ali e que eles deveriam desenterra-la e procurar a família de uma operária da construção daquele prédio desaparecida. Assim o fizeram, a sala acabou sendo desativada e se tornou um adendo ao jardim, um memorial em homenagem à Sra. Lourdes Maria Guerra foi construído lá. Célia só voltou à empresa para pedir as contas. Osvaldo e Edgar mudaram de sala e não mais comentaram o episódio. Jonas agora tinha conhecimento dos seus dons, sabia que seria procurado, pois Lourdes o havia alertado, Jonas agora sabe que existem muitas coisas entre o céu e a terra que o ser humano não consegue explicar. Ele tem medo do que virá de agora pra frente e tenta continuar com seu trabalho de arquiteto até que alguém, vivo ou morto, o encontre novamente para solucionar mais algum mistério.

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