O Sexto Dia

O sexto dia – dia 1


Era exatamente 03:15 da manhã quando Roberto acordou e tinha claramente em sua cabeça uma visão. Ele sabia como resolver o problema! Acordou Elisa ao seu lado e disse: 

_ Querida, eu sei como acabar com tudo isso!
Elisa apenas olhou para o relógio na mesinha ao lado da cama e resmungou algo ininteligível como: “porque diabos você está falando comigo essas horas, tenho que acordar em alguns minutos”. Roberto não desanimou, levantou da cama, pegou seu laptop, sentou-se no sofá e começou a escrever.
As palavras fluíam, quase como se autoescrevessem. As horas foram passando e ele continuava sua empreitada, uma empolgação enorme tomava conta dele todo. Ele tinha plena certeza que tudo ficaria bem.
Quando o despertador tocou às 06:30 da manhã, Elisa levantou, foi ao banheiro e estranhou ao ver o laptop ainda ligado sobre o sofá, Roberto não estava em lugar algum. Ela preparou seu café e imaginou que ele poderia ter saído por um motivo qualquer, mas começou a se preocupar quando notou que as chaves, a carteira e o celular dele estavam sobre a mesa. Como ela não podia se atrasar para o serviço, terminou de se arrumar e saiu.
Elisa era advogada, tinha 26 anos e morava com Roberto há dois anos. Ele tinha 29, era formado em ciências da computação e trabalhava, frustrado, em uma grande companhia de software. Eram um casal como qualquer outro, até que essa madrugada e essa ideia mirabolante de Roberto de “resolver o problema” mudou a vida deles para sempre.
Roberto acordou em um lugar estranho, lembrava perfeitamente de ter escrito tudo o que pensava, daí para a frente não se lembrava de mais nada, não se lembrava nem do que escreveu, sentia náuseas e algumas tonturas, olhou a sua volta, sua cabeça doeu um pouco mais e ele vomitou. Não havia porta no quarto e a janela era estreita. Roberto não tinha a menor ideia de como tinha ido parar ali. Ao olhar em volta viu uma luz no teto, uma pequena janela no alto da parede, com vidros opacos, onde se via apenas uma claridade meio avermelhada, havia uma cama onde ele estava deitado, uma pequena mesa de madeira e sobre ela uma TV antiga, de tubo, um aparelho de telefone, alimentos e uma folha de papel. Ele só tinha a roupa do corpo, sem documentos ou qualquer dinheiro.
Logo após acordar, a TV ligou sozinha e começou a exibir notícias do mundo, sobretudo sobre estranhos fenômenos que estavam acontecendo em diversas localidades. Estava chovendo diamantes e várias pessoas já haviam morrido e muitas outras estavam feridas por serem atingidas por essa estranha chuva. No papel sobre a mesa estava escrito: “Roberto, resolva o problema, você tem 6 dias”
Roberto imaginou que pudesse estar sonhando, que aquilo não era verdade e então o telefone tocou, era Elisa que com voz de choro começou a perguntar o que estava acontecendo e onde ele estava. Roberto não sabia como responder, há algumas horas ele morava no interior paulista e trabalhava a maior parte do tempo pela internet. Ele não conseguia entender o que estava acontecendo e como ele havia chegado aquele lugar.
Do outro lado da linha Elisa relatava a ele os horrores de uma chuva de diamante que caíra próximo da casa deles como não o encontrou, ligou no celular dele para saber como ele estava, ela ainda estava assustada, vários conhecidos haviam falecido, Roberto achou que seria melhor não tentar explicar o que estava acontecendo com ele e disse que também havia sido atingido e estava em um hospital, mas como havia ficado inconsciente, não sabia para onde o haviam levado. A ligação caiu.
A vantagem é que agora ele sabia que o telefone que estava ali ligado por um fio até a parede era de alguma forma o seu celular, porém todas as suas tentativas de ligar para qualquer pessoa, incluindo Elisa, fracassaram. A fome apertou e ele resolver comer o lanche que ali estava.
Ao retirar a embalagem da mesa, notou um símbolo estranho nela, uma espécie de S, mas com uma estilização diferente, ele ficou empolgado e começou a procurar pelo quarto por outras pistas, porém após mais de cinco horas examinando cada centímetro do cubículo onde estava, não conseguiu encontrar nada que pudesse explicar o que estava acontecendo e muito menos algo que ajudasse a resolver o problema em que ele havia se metido. Ele então se sentou na cama e começou a assistir o noticiário que passava na TV sobre a chuva. Cientistas examinaram os cristais e realmente eram diamantes de enorme pureza, porém ninguém conseguia entender de onde vinha, as teorias mais convincentes diziam que de alguma forma havia carbono no espaço que com a viagem e as diferenças de pressão e temperatura viraram diamantes e precipitavam em locais isolados. Teólogos começaram a teorizar sobre o fim do mundo e ufólogos sobre alienígenas. O medo havia se instaurado, o mundo não sabia como lidar com aquela inusitada situação e os mercados financeiros entraram em colapso, com quedas meteóricas de bolsas pelo mundo todo, nem em 1929 ou em 2008 o mundo havia notado algo de tamanhas proporções. Roberto olhava para o apresentador calmamente dando todas essas notícias e não entendia porque só ele estava naquele lugar diferente, pensava se havia mais alguém na mesma situação dele. Não havia, mas ele ainda não estava nem perto da resolução do problema.
A luz do teto se apagou, assim como TV, ele não tinha mais nenhuma opção se não dormir e tentar descobrir mais alguma coisa no segundo dia...

O sexto dia – dia 2

Quando a luz se acendeu e a TV novamente ligou, Roberto percebeu algumas mudanças em seu cativeiro, agora a janela havia mudado de formato e de parede, a cama estava em uma posição diferente, assim como a mesa. A TV agora apenas chiava, não havia imagens. O papel sobre a mesa agora estava escrito: “Parabéns, você achou a pista ontem. Resolva o problema, você tem 5 dias.”
Roberto comeu alguns biscoitos que ali estavam e começou a procurar por mais pistas, na mesa ainda estava ali a estranha marca e após uma minuciosa busca ele encontrou agora uma espécie de 8, com a mesma estilização do S, ele estava no chão, ao lado da cama, não havia como entender aquele símbolo e nem a ligação entre os dois encontrados até então. A TV então começou a receber um sinal e o mesmo apresentador calmo do dia anterior começou a noticiar que terremotos assolavam o mundo em escalas e frequências jamais conhecidas. Os terremotos duravam apenas alguns segundos, mas eram suficientes para causar diversos estragos. Os locais que foram assolados pelas chuvas do dia anterior estavam sendo poupados dos terremotos. Milhares de pessoas morreram. A imagem de uma criança chorando enquanto olhava os destroços da casa onde sua família não conseguira sair fizeram com que lágrimas percorressem o rosto de Roberto.
O telefone então tocou e novamente era Elisa, ela estava mais assustada do que no dia anterior pois não conseguia mais sair de casa, o governo havia decretado estado de sítio e ninguém deveria deixar seu domicílio, os telefones não mais funcionavam e ela estranhou ter conseguido ligar, ao telefone ela deu a notícia do falecimento do irmão dela, no desabamento do prédio onde ele morava, em um dos terremotos. A ligação novamente caiu antes que eles pudessem conversar mais. Roberto não conseguiu dizer uma palavra sequer, apenas ouviu estarrecido o depoimento de Elisa. Ao menos ela estava bem.
Na TV as pessoas estavam enlouquecidas, o comércio não funcionava e haviam apenas saques, ondas de suicídio eram vistas em diversos lugares. Igrejas estavam completamente lotadas. Roberto não pode deixar de pensar na hipocrisia do ser humano que só recorre a Deus quando acha que vai morrer. As teorias do fim do mundo estavam ganhando mais corpo, até os ufólogos já acreditavam no fim dos dias.
Roberto era um cara bastante centrado e determinado. Ele não iria se desesperar com a situação e iria tentar solucionar o problema. Como programador, seu conhecimento em algoritmos e lógica era excepcional e como fã de ficção científica ele não podia deixar se abalar pela estranheza da situação como um todo. Foi então que ele notou um sinal na parede onde no dia anterior estava a janela, era um pequeno sinal na parede, quase que no formato de uma porta, ele se lembrou do S e do 8 e começou a procurar alguma forma de interligar os símbolos ao sinal. As cores da sua janela começaram a mudar de um avermelhado para um tom mais cinza. Por mais equilibrado que fosse, Roberto sentia medo.
Ele pegou o telefone novamente e todas suas tentativas de ligar eram inúteis. As notícias na TV mostravam o caos que estava instalado no mundo todo. Quem quer que seja que estava por trás disso tudo, estava fazendo um bom trabalho. Novamente as luzes se apagaram e Roberto exausto sucumbiu ao seu sono.

O sexto dia – dia 3

O terceiro dia de confinamento de Roberto começou exatamente igual ao segundo, porém desta vez sem mudanças na mobília, a única mudança era o telefone que não estava mais ali, também não havia nenhum bilhete com instruções. Na TV, notícias sobre as reconstruções que estavam ocorrendo por todos os cantos do mundo. Nenhum incidente estranho havia acontecido, como nos dias anteriores. Roberto imaginou se aquilo não seria uma trégua de quem quer que fosse que estava por trás daquilo tudo. Depois de comer uma fruta, ele começou a procurar por novas pistas, encontrou o S e o 8 novamente e começou a procurar algo estranho. Dessa vez ele conseguiu notar que a marca na parede parecia mais proeminente. Roberto estava começando a sentir uma revolta por estar há mais de 48 horas naquele quarto e não conseguia colocar mais seus pensamentos em ordem como era de seu costume, desligou a TV, tirou tudo o que tinha sobre a mesa de madeira, testou se podia com o peso dela e atirou-a contra a parede, para sua surpresa a mesa não se quebrou e a parede, ao invés de mostrar sinais de emboço marcado, areia ou algo do tipo, ela piscou, como uma tela de cristal líquido pisca ao ser golpeada, imediatamente a janela que mostrava uma cor cinzenta mudou para um verde, mas não parecia mais uma penumbra, parecia um verde de chroma key, utilizado para efeitos especiais em TV, agora tudo parecia fazer mais sentido, a sala era computadorizada. Ele não pôde deixar de lembrar do filme Matrix e pensou se aquela sala não seria sua pílula vermelha. Mas porque só ele estava ali? O que estaria acontecendo com o restante do mundo? E as ligações da Elisa, eram reais? As notícias na TV, eram reais? Roberto já não podia acreditar em mais nada. Decidiu então que sairia daquela sala a todo custo e seria nesse instante. Pegou novamente a mesa de madeira e começou a golpear mais e mais a parede, o som do choque era abafado pelos gritos dele, a sua sanidade parecia se esvair junto com os seus gritos, que ninguém ouvia. A parede resistia, apenas reclamava piscando, nada se alterava no cenário. A TV, que ele havia colocado no chão para usar a mesa como ferramenta de destruição ligou sozinha, mas ao invés de mostrar notícias, mostrava apenas um fundo colorido, com as cores do arco-íris na horizontal e uma voz sinistra começou a falar:
- Roberto, seu esforço físico é inútil, use a sua cabeça e sua inteligência para resolver o problema.
Em mais um momento de fúria, Roberto golpeou a TV com a mesa, destruindo-a. Apenas faíscas e fumaça saíam de onde há alguns minutos vinha aquela voz medonha. Roberto não ia desistir e continuou a golpear a parede. A luz se apagou, a janela mudou para preto, não havia um só ponto de claridade, mas isso não ia impedi-lo de sair dali. Reunindo os últimos resquícios de força em seus braços, ele golpeou mais uma vez a parede, que dessa vez sucumbiu.
Milhares de caco de espalharam-se por todos os lados, a parede tinha a perfeita textura de alvenaria convencional, mas era feita de vidro, Roberto não conseguiu entender a tecnologia daquele painel, já que ao toque era alvenaria e só se transformou em vidro ao se quebrar. Mas o mais assustador estava atrás da parede.
Roberto olhou para fora de seu cativeiro e o que ele viu fez o pelo de sua nuca arrepiar. Ele ficou estático, olhando sem acreditar. Neste instante, ele sentiu um forte golpe na cabeça e desmaiou.

O sexto dia – dia 4

Quando ele acordou com uma tremenda dor de cabeça, o quarto era totalmente diferente, agora era como uma daquelas jaulas com espumas nas paredes e chão, revestidas com um tecido branco, semelhante àquelas de hospício, onde as pessoas ficam internadas sem risco de se machucar. Não havia cama, já que o chão era macio, não havia janela, nem porta, nem nada. Roberto sabia que era uma sala virtual e novamente ficou espantado com a tecnologia das telas que além de emular as imagens, ainda emulavam a textura. Hoje não tinha nada para ele golpear a parede, porém ele não conseguia parar de pensar do que tinha visto atrás da enorme tela antes de ter desmaiado, se ele fosse descrever a cena, talvez não conseguiria fazer jus ao seu espanto com palavras, após o vidro haviam vários componentes eletrônicos, como se ele estivesse dentro de um computador gigante, várias placas, processadores, e muitos fios, porém o que o assustou foi que havia uma criatura olhando para ele atrás do vidro, não dava para saber se era um tipo de animal ou algum robô, o fato é que a aparência dele era assustadora, seu formato era humanoide, porém bem mais alto que um homem comum, as pernas e braços pareciam ser maiores e desproporcionais, os olhos eram vermelhos bem vivos, pareciam ser de um tipo de LED de alta luminosidade. A ideia que o ser era amistoso foi logo afastada pelos longos chifres que saiam de sua testa, provavelmente de algum metal muito polido. Seria ele o controlador do cativeiro? Qual era o problema a ser resolvido? Roberto não tinha comida, não tinha água, nem TV, nem telefone e nem as estranhas marcas em seu novo aposento, nem o cantinho que ele usara para esvaziar a bexiga parecia estar lá. Talvez o fato dele ter surtado tenha enfurecido aquele ser atrás do vidro.
Depois de algumas horas deitado de costas para o chão, olhando para a lâmpada no teto e pensando em quanto tempo acabaria o oxigênio daquele lugar e como a temperatura era agradável, mesmo sem aberturas, a luz piscou e tudo começou a tremer. As tentativas de ficar em pé eram em vão e sons de coisas se quebrando podiam ser ouvidos. Da mesma forma que começou o tremor, ele parou. Uma voz então ecoou:
- Roberto, você havia sido escolhido por sua astúcia e conhecimento e não por sua força física, o enigma ainda não está resolvido, pela sua transgressão de ontem sofrerá uma punição e perderá um dia de busca, então você tem até amanhã para resolver o problema e seguir sua vida, caso contrário, morrerá.
Roberto sentia o coração bater em sua boca e começou uma busca frenética em seu quarto pelos sinais que poderiam leva-lo a sair dali com vida. O ruim é que não havia nada além de um quarto de espuma a sua volta. Depois de muito pensar ele finalmente começou a reparar em alguns botões que faziam as vezes de prender a espuma nas paredes, seja lá como fosse que aquilo funcionava, os botões estavam ali, então ele começou a examinar um a um, todos os botões, em todas as pequenas partes. Encontrou então o ‘S’ e começou a ficar extasiado. Em seguida encontrou o ‘8’. Continuou a olhar todos os botões até encontrar um ‘A’ com a mesma estilização, ao juntar mentalmente os três caracteres e pensar um pouco, pensou que poderia se tratar de um anagrama. Lembrou-se imediatamente do projeto SOA-8 que estava sendo desenvolvido pela empresa de software que ele trabalhava. O projeto era parte de um pacote de softwares para a indústria farmacêutica que estava desenvolvendo órgãos artificiais para transplantes. Roberto não trabalhava no programa diretamente, mas como seu conhecimento em programação e algoritmos era excepcional, já havia sido consultor em algumas partes do projeto. SOA-8 era a sigla para Sistema de Órgãos Artificiais e estava exatamente na oitava versão, a primeira que tinha dado algum resultado mais significativo, ante o fracasso total das anteriores. Com a adrenalina a mil por conta da descoberta e dos pensamentos, ele continuou a procurar em mais botões, até que encontrou o ‘O’ que faltava e teve certeza que se tratava do projeto SOA. Mentalmente ele fez um mapa de onde estavam os quatro caracteres estilizados e pressionou os botões almofadados na ordem que seria a correta: S O A 8. Imediatamente a parede em sua frente transformou-se em um gigante monitor de computador e no chão, uma das partes do acolchoado transformou-se em um teclado. Na hora Roberto reconheceu a tela de entrada do sistema de sua empresa, porém antes dele tentar fazer o seu login, tudo ficou escuro, novamente ele sentiu uma pancada na cabeça e apagou.

O sexto dia – dia 5

Ainda sentindo muitas dores pela pancada forte na cabeça, Roberto acordou desorientado, ele não estava mais em um quarto como nos dias anteriores, ele agora estava em uma confortável poltrona e tudo o que ele via em sua frente era um enorme monitor, ele estava preso ao seu assento que parecia flutuar, era tudo preto no entorno, para cima, para baixo e para os lados, tudo o que se via era um breu, não havia como se localizar espacialmente. Nos braços da poltrona havia um teclado de um lado e uma garrafa de água e um lanche do outro lado, demorou uns minutos para que ele se lembrasse do ocorrido no dia anterior e colocasse os pensamentos no devido lugar. Sua determinação agora era maior do que nunca, pois ele estava prestes a decifrar o enigma, ele sabia que era o último dia do seu prazo e não podia perder tempo, após comer alguma coisa ele fez o login no sistema de sua empresa, a Vital Care Software, como faria se fosse trabalhar, mas hoje ele precisaria procurar informações sobre o SOA-8. Ao entrar no sistema, havia uma nota anônima, se desculpando pelos golpes na cabeça, dizendo apenas que eram necessários. A busca por informações do projeto SOA foi muito mais difícil do que o esperado, mesmo ele sendo um programador sênior e ter colaborado no projeto, muitas pastas eram encriptadas e ele não tinha acesso a elas. Nada que os conhecimentos adquiridos na faculdade sobre como invadir sistemas não resolvesse, ainda mais um sistema que ele conhecia como a própria palma da mão e havia implementado muitos dos dispositivos de segurança. O fato é que era estranho ele não ter acesso, pois a senha dele era do nível mais alto dentro do sistema.
Após algumas horas de pesquisa, uma imagem o impressionou. Era o mesmo ser que ele havia visto ao quebrar a parede de seu quarto de clausura. Aprofundando as buscas e os relatórios anexados a imagem, ele descobriu que o projeto SOA-2, em meados de 2005, havia misturado DNA humano com equipamentos eletrônicos orgânicos e que nesse processo as criaturas apareceram. Eram muitas, sua estrutura eletrônica, mas uma eletrônica orgânica, que cresce e se desenvolve como os seres humanos. As criaturas foram todas exterminadas e os relatórios encriptados em um novo mainframe para ninguém saber do acontecido.
Roberto estava intrigado com as revelações e continuou a procurar, encontrou contatos militares, demonstrativos financeiros e documentos que achou melhor salvar em seu disco virtual.
De repente tudo se apagou e Roberto tomou uma violenta descarga elétrica.
Ao acordar ele não estava mais na sua cela habitual, mas em uma maca de hospital, seu prontuário dizia que ele era Leomir de Souza e que estava já ativado. Sem entender, ele levantou e foi quando encontrou Alfredo, um colega da empresa, que lhe contou a intenção dele estar ali.
Uma daquelas criaturas sobreviveu aos testes e cresceu, um dos cientistas do projeto, o Sr. Alfredo, batizou o estranho humanoide de Karel, em homenagem a Karel Capek, escritor checo que usou pela primeira vez a palavra robô na literatura e o escondeu de todos. Karel tinha uma enorme inteligência e podia controlar a tecnologia apenas se conectando a ela, também tinha o poder de construir aparelhos eletrônicos utilizando apenas de suas mãos. Karel, através de Alfredo começou a realizar suas próprias adições ao projeto SOA e em determinado estágio do SOA-7 a Vital Care criou um microchip que poderia ser implantado no órgão artificial das pessoas que passassem pelo tratamento para manipula-las e assim criar um exército. Como a empresa é brasileira com filiais no mundo todo, já haviam inúmeras cobaias com o chip pronto para ser ativado. O potencial bélico do projeto SOA era ilimitado e executivos americanos, iranianos, israelenses, russos e até norte-coreanos já estavam interessados na tecnologia. Para ativar o chip, as pessoas ficavam em uma caixa de vidro e o chip fazia as vezes de colocar as imagens diretamente no cérebro das pessoas, dentro dessa caixa, a pessoa era colocada em um estado onde tudo o que ela via era fruto de manipulação dos computadores, nesse lugar ela veria catástrofes, falaria com alguém da família, que estava com medo de tudo o que estava acontecendo, mas tudo era mentira, tudo programado por computador e criado apenas na mente da pessoa que estava sendo manipulada de forma a ativar o ódio inconsciente. O programa de ativação durava apenas um dia, porém a pessoa imaginava que eram seis dias de agonia e estresse extremos. Sempre no sexto dia ela estaria pronta para combater qualquer coisa e realizar qualquer ação apenas ao comando de um botão da Vital Care. Ela não se lembraria da ativação. São soldados que nem se lembrariam quem eles mataram e porque mataram, apenas cumprem as ordens do SOA-8. Alfredo sabia que precisava intervir e deixou as pistas todas no sistema, ele sabia que apenas Roberto seria capaz de segui-las e então elaborou seu plano com ajuda de Karel.
Roberto não estava acreditando, porém agora estava tomando conhecimento do plano de Alfredo, que consistia em colocar Roberto no lugar de uma das cobaias do projeto e inserir o chip nele, só que modificado de forma que pudesse ter acesso ao sistema da Vital Care. Os cientistas do projeto não poderiam desconfiar, então Karel modificou as entradas do sistema e Roberto era, para o programa SOA-8, Leomir de Souza e tinha passado por um transplante de rim artificial, porém Roberto teve o chip implantado apenas por uma agulha, durante um exame de rotina na empresa, que o próprio Alfredo ministrou.
A segunda parte do plano consistia em colocar Roberto dentro da caixa de vidro e isso já era mais difícil, pois a desculpa sempre é a revisão do procedimento de transplante, para realizar a façanha, Alfredo ativou o chip remotamente em Roberto, num procedimento arriscado que poderia mata-lo sem os sensores corretos da caixa. Tomaram o cuidado de fazer isso logo após o expediente, Roberto então se lembrou do estalo que teve e de tudo o que escrevera em seu laptop, antes de apagar. Quando ele desmaiou, deram um sedativo para Elisa e o colocaram na caixa, ao acordar, sua cabeça já não via mais o que seus olhos realmente enxergavam, mas sim o que o programa queria. Dizendo que se tratava de Leomir, Alfredo começou a ativação normalmente, com a exceção do bilhete, colocado lá digitalmente por Karel, quando Roberto surtou e conseguiu quebrar um dos vidros da caixa, parecia que tudo iria por água abaixo, não era a primeira vez que alguém fazia isso, mas era a primeira vez que alguém dava de cara com Karel, o próprio chip tem um mecanismo que emula uma pancada forte na cabeça e a pessoa desmaia para a troca do vidro. Por outro lado, foi a oportunidade perfeita para Karel alterar o programa para cinco dias dentro da cabeça de Roberto, o que evitaria a ativação por completo do chip, porém para os monitores do programa, Leomir seria ativado por completo e levado para o quarto sem lembranças dos horrores que viveu.
Todo o programa foi feito de forma cuidadosa, para que os sinais passassem despercebidos pelos monitores da Vital Care, Karel se esforçou muito nisso e todo o plano dependia da astúcia de Roberto em encontrar os sinais e aciona-los, o que o levaria para uma tela dentro do sistema acionada pelo chip, programada de forma a ser oculta para os monitores. 
A importância de se acessar o sistema pelo chip é que o mecanismo todo de controle do SOA-8, embora sendo o mesmo sistema da Vital Care, ficava em mainframes separados, que só podiam ser acessados de dentro da própria rede SOA. Uma vez dentro da rede SOA, Roberto fez o que Alfredo imaginava e copiou todos os arquivos secretos para seu disco virtual e agora eles tinham todas as provas que precisavam para acabar com as intenções da Vital Care.
Roberto sentia-se desolado, estava há um dia sem ir para casa, avisaram Elisa que ele tinha passado mal, porém sem gravidade. Ele agora tinha provas que a empresa que ele trabalhou pelos últimos anos era uma organização criminosa com finalidades escusas. Já era noite e ele estava cansado e com fome, Alfredo o mandou para casa, no dia seguinte eles teriam que desmantelar o projeto SOA para sempre, não seria fácil.

O sexto dia – final 

Roberto acordou em casa, com Elisa ao seu lado, não se lembrava de como chegou em casa, ao olhar seu laptop, procurou pela resolução do problema, porém ao liga-lo, descobriu que sua brilhante ideia de resolver o problema não passava de um conto para crianças, mais uma das artimanhas de Karel na hora da ativação remota. Ele sabia que havia salvo todas as provas contra a Vital Care em seu disco virtual e precisaria daquilo em um meio físico o mais rápido possível, apanhou seu HD externo e salvou todos os documentos, sem antes olhar um pouco mais perplexo para as criaturas orgânicas e para os planos de tornar todos os portadores de órgãos artificiais em potenciais armas bélicas. Saiu então as pressas de casa, Elisa ainda dormia. Ao chegar na empresa, foi procurar seu amigo Alfredo, que estava na mesma enfermaria que Roberto estivera na noite anterior. Com um jogo de olhos, Alfredo o chamou para fora da empresa, pegaram o carro e foram até um lugar longe, onde finalmente poderiam falar com privacidade e sem medo de alguém da empresa os escutar. Alfredo questionou se Roberto havia feito cópia física dos documentos e ficou satisfeito ao ver o HD, começou então a falar sobre como desmantelar o plano mirabolante da Vital Care. A primeira parte do plano era a mais arriscada, que era a de roubar os dados de dentro do mainframe, por isso pediu desculpas a Roberto por envolve-lo nisso de forma tão dramática, porém eles haviam logrado êxito na empreitada e o sucesso do final da história dependia de um homem de fora da empresa, o qual fazia contato com Alfredo já há um tempo. 
Giovane era um técnico em informática que também trabalhava com software, ele estava analisando os dados do sistema da Vital Care junto com Alfredo e Karel. Ele trabalhava em uma ONG que monitorava atividades bélicas no mundo todo. Ao tomar posse dos dados ele ficou perplexo com as atividades do SOA-8 e com todos os desdobramentos do sistema, inclusive seu potencial bélico, não pôde deixar de pensar em extremistas como o Estado Islâmico, que poderia facilmente manipular cobaias para serem homem bombas sem a menor dificuldade e quando quisessem, em qualquer lugar do mundo! Como guerra se trava com guerra, eles bolaram um plano mirabolante, que colocaria mais uma vez a vida de Roberto em risco, mas era a única forma de desarticular o esquema.
Como o sistema do SOA era semelhante ao da Vital Care, Roberto tinha bons conhecimentos, e Giovane, como técnico em informática sugeriu que eles implantassem um vírus no sistema, para que toda a pesquisa fosse destruída de dentro para fora, afetando primeiramente os backups e depois os dados. Esse era o plano: Roberto voltaria para a caixa de vidro e de lá, conectado ao mainframe, instalaria o vírus, com monitoramento de Karel e Alfredo para não serem pegos. O vírus já tinha sido desenvolvido por Geovane, Roberto elogiou o código ao vê-lo. Eles precisariam colocar o plano em prática urgente.
Voltaram para a empresa e utilizando-se novamente do codinome Leomir, colocaram Roberto na caixa de vidro. Karel então ativou o sistema, Roberto sentiu a já conhecida pancada na cabeça. Ao acordar, ele estava novamente no ambiente de programação, na poltrona que parecia flutuar e a tela gigante na sua frente com a imagem do login do sistema. Ele logou e ouviu a voz de Karel informando-o onde estavam os arquivos do vírus e como coloca-los no sistema. Depois de quase duas horas usando seus conhecimentos de hacker, Roberto conseguiu instalar o vírus, porém ele precisaria sair de lá antes de dar o comando para iniciar o procedimento e pediu a Karel que o desconectasse. Novamente a sensação de pancada na cabeça.
Ao acordar na enfermaria, Roberto sentia-se extasiado e a adrenalina percorria suas veias de forma contumaz. Ele sabia que agora só dependia de Geovane iniciar a sequência do vírus remotamente para acabar com toda a pesquisa. Por mais que pessoas e executivos conhecessem o programa, o atraso seria de pelo menos dois anos, tempo suficiente para a ONG de Geovane entrar em contato com a ONU e denunciar a operação toda. Ele pensou em Elisa em casa, nos seus pais e em todas as pessoas que ele conhecia e gostava. Sentia um orgulho enorme de poder contribuir para que o mundo fosse um lugar mais pacífico.
Geovane ativou o vírus. No mesmo instante, Karel matou Alfredo.
O vírus de Geovane, na verdade havia sido alterado por Karel pouco antes da instalação e ao invés de apagar a pesquisa, havia dado a Karel poderes supremos para toda a pesquisa, além de matar a sangue frio seu mentor e salvador, ele estava disposto a acabar com todos os que foram capazes de matar os seus semelhantes, ou seja, estava disposto a acabar com a raça humana! De acordo com os dados da pesquisa, haviam 74 pessoas já ativadas. Todas elas agora controladas por Karel sem que a própria Vital Care soubesse. Entre elas o próprio Geovane, que também era apenas refém de Karel e agora o pobre Roberto, que mesmo orgulhoso de seu heroísmo, havia se tornado apenas uma marionete. O plano de Karel estava completo, ele tinha o controle das pessoas chave, de todo o sistema SOA-8 da Vital Care e poderia concluir seu plano de exterminar a humanidade e criar uma nova sociedade, totalmente pacífica e sustentável, apenas com humanoides biônicos como ele. Karel se tornaria invencível, Roberto e Geovane morreriam antes de se dar conta que eram apenas peões no tabuleiro dele. A humanidade foi exterminada em menos de um ano após o SEXTO DIA.
Fim...

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